Faz muito tempo que estou pra escrever sobre o uso dos dicionários analógicos na tradução, mas acabava sempre ficando pra semana que vem. Bom, finalmente a semana que vem chegou e o post saiu! 😀
Um dicionário analógico, também chamado de tesauro (thesaurus, em inglês), é um dicionário de ideias afins. Mais ou menos como sinônimos (mas não necessariamente).
E como é que a gente pode usar esses dicionários na tradução, se eles são monolíngues?
Então… Pro método que vou mostrar funcionar, o dicionário analógico precisa necessariamente estar organizado em mil categorias.
Em inglês, uso o Roget’s Thesaurus disponível gratuitamente no site do Gutenberg Project.
Não sei se existem tesauros equivalentes, com essas mesmas mil categorias, em outros idiomas. Se alguém souber, por favor deixe um comentário, assim eu posso atualizar o post (com os devidos créditos, claro). 🙂
Então, vamos aos finalmentes.
Vou usar como exemplo um termo em inglês que pode ser bem chatinho de traduzir, dependendo do contexto: support. Como vamos usar a versão digital, é só fazer uma busca pelo termo que você precisa. As versões impressas têm um índice remissivo em ordem alfabética no final.
O “#215” ali no começo indica a categoria. Neste caso, a categoria é “Support” mesmo. O “N.” logo depois indica “nouns”, ou seja, substantivos, que se enquadram nessa ideia.
Lembra que eu disse que as categorias nos dois dicionários, em inglês e português, são equivalentes? Então agora a gente procura essa mesma categoria 215 no dicionário em português, e encontra isto:
Esta, na verdade, é uma pequena parte da categoria. Tem mais uma variedade enorme de opções de substantivos na página seguinte. É só procurar o termo que mais se encaixe no seu contexto específico.
No fim da categoria, eles mostram verbos, adjetivos e advérbios:
Os números que aparecem no meio dos termos são indicações de outras categorias que talvez tenham o que você precisa.
Essas triangulações já me ajudaram um sem-número de vezes, quando outros dicionários ajudam a entender o conceito, mas não a achar aquela palavrinha que encaixa como uma luva no nosso texto. A propósito, “como uma luva” está na categoria 23, Acordo. 😀
Dessa forma, conseguimos usar um vocabulário mais rico e fugir um pouco de lugares-comuns e, principalmente, do tradutês.
Ah, sim, quase esqueço de falar: o método funciona da mesma forma na direção contrária, do inglês para o português (e, se existirem tesauros assim em outros idiomas, também deve funcionar entre qualquer um deles).
Como eu disse, prefiro consultar em formato digital, agiliza bastante o processo (sem falar que os livros digitais costumam custar menos e não ocupam espaço). Para obter os seus:
O querido e saudoso Daniel Estill sempre dizia que teoria e prática deviam andar sempre de mãos dadas. Na época, mais de dez anos atrás, ainda lá no Orkut, eu, que vinha das Exatas e tinha caído de paraquedas na tradução, não entendia muito bem o que era essa “teoria” de que ele tanto falava.
Depois disso fiz o formativo de tradutores literários da CGA, onde tive um gostinho da tal teoria da tradução (e me mostrou que ainda tenho muito a aprender!), li a Gramática da Manipulação da Letícia Sallorenzo, aprendi um pouco sobre análise do discurso e nunca mais li uma manchete de jornal do mesmo jeito, descobri a gramática descritiva, as variações linguísticas, a linguagem neutra, a linguagem inclusiva. Aprendi a perceber o quanto de preconceito social e de gênero está escondido (e nem sempre tão escondido assim) no normativismo. A reparar na linha tênue que às vezes separa a “defesa da língua” da xenofobia. Nas diferenças entre a evolução orgânica da língua (que felizmente é viva, sim, senão estaríamos falando vosmecê e pharmácia até hoje) e a adoção indiscriminada de termos estrangeiros só porque sim (oi, “sale 50% off”, estou falando com você), porque soa mais chique ou superior ou porque a pessoa sabe mais ou menos português e sabe mais ou menos inglês e sabe bem transformar os dois numa salada mista às vezes ininteligível para “não iniciados”.
Entendi melhor por que raios o genérico masculino sempre me irritou, e o que posso tentar começar a fazer com relação a isso. Aprendi que usar linguagem neutra é algo que eu de certa forma já fazia em localização, mas não ligava o nome à prática.
Aliás, acho que isso resume bem: aprendi que coisas que eu já fazia têm nome. E têm método. Aprendi que nem sempre temos tempo de teorizar a cada frase que traduzimos, e nem precisamos fazer isso, mas também aprendi conceitos que me fizeram enxergar meu trabalho de outra forma. Apesar de não seguir a vida acadêmica, de não ir a fundo nesses temas, acho que saber essas coisas, mesmo que um pouco de cada uma, na prática me faz — no presente, porque continuo aprendendo um pouquinho mais todo dia — uma profissional melhor.
Pra variar, Daniel, você estava coberto de razão. <3
Profissionais autônomos (freelancers) precisam saber controlar direitinho duas coisas: tempo e dinheiro. Monitorar onde e como gastamos o nosso tempo, e quanto e quando temos que receber de cada cliente. Sem isso, a vida profissional vira um caos.
Controle de prazos
Dependendo da área da tradução em que estivermos, podemos receber um serviço imenso, com dezenas de milhares de palavras, para ser entregue dali a algumas semanas, ou vários arquivos pequenos, alguns para o mesmo dia, outros para o dia seguinte. Como não se perder?
Algumas pessoas preferem usar agenda de papel ou bullet journal. Anotam ali os dados de cada serviço e fazem uma marca ou riscam quando entregam. Comecei fazendo isso, anos atrás, funciona bem, mas desisti por um motivo bem particular: papel não apita para avisar que o prazo está chegando.
Outras pessoas usam lousa ou quadro branco com colunas para cada dia da semana. Também experimentei, também funciona, desisti pelo mesmo motivo da agenda: lousa não apita.
Outras ainda trocaram a agenda de papel pela agenda do celular/computador. O raciocínio é o mesmo, e ela ainda apita! 🙂
Lista de tarefas
Hoje uso o Todoist, que é um sistema de lista de tarefas rodando no navegador e/ou em app no celular e no computador. Existe o plano pago, mas a versão gratuita atende bem às necessidades básicas.
Ele entende linguagem natural, então posso incluir tarefas como “Traduzir 12345 palavras do cliente X quinta-feira”. A interface também é limpa e fácil de usar.
Para manter tudo organizado, sugiro separar as tarefas em projetos. Tenho projetos para tudo ali, até para me lembrar de cortar as unhas das gatas a cada dez dias.
Para criar um projeto, clique no “+” no painel da esquerda, ao lado de “Projetos”.
Na janela que se abre, informe o nome do projeto, a cor dele (opcional, mas útil) e o formato em que deve aparecer: como lista ou como cartões, depois clicar em “Adicionar”.
Para adicionar uma tarefa, é só clicar no “+” no alto da página ou embaixo do app no celular.
Como disse antes, podemos usar linguagem natural para datas. O # indica o nome do projeto. Pode-se também incluir uma prioridade para cada task: P1 (mais alta), P2 ou P3 (mais baixa).
É fácil visualizar as tarefas por projeto ou por data, e ele se mantém sincronizado no computador e no celular.
Há ainda a opção de ativar alarme para as tarefas, mas apenas na versão paga. É possível ainda integrar o Todoist ao e-mail e criar uma tarefa assim que o serviço chega na caixa de entrada. Faço isso há algum tempo, facilita bastante o controle também.
Não vou nem de longe esgotar as possibilidades do sistema neste artigo. O site do Todoist tem muito mais informações para quem tiver interesse, e este artigo da ajuda deles tem dicas ótimas para lançar tarefas recorrentes.
Existem outros aplicativos semelhantes, como Wunderlist, Omnifocus e muitos outros. Papel, lousa, calendário ou aplicativo, o importante é encontrar o melhor método para você e não perder nenhum prazo!
Controle do tempo
Quem trabalha por conta precisa sempre ficar de olho no tempo que gasta em cada coisa. Primeiro, para poder saber quanto cobrar do cliente nos projetos faturados por hora. Segundo, para saber quanto tempo gasta em cada projeto e ver se o valor cobrado vale a pena ou se está na hora de renegociar valores. E, finalmente, para saber quanto tempo realmente levou aquela pausa de “cinco minutos” para dar uma espiadela no Facebook ou qualquer outra rede social.
Existem vários programas que fazem isso automaticamente (Timing, Rescue Time), mas ultimamente tenho usado o Toggl por ser simples de usar, apesar de robusto em termos de recursos.
Ao criar uma conta nova no site, a tela será assim:
Pelo app:
Eu prefiro usar o app, que tem uma janela pequena e não muito intrusiva. Uso o site só quando preciso de algum relatório.
O Toggl trabalha com três níveis de registro: tarefa, projeto e cliente. Costumo usar o nome do arquivo que estou traduzindo ou revisando como nome da tarefa, porque depois, no relatório, consigo saber exatamente em que estava trabalhando.
Para criar uma tarefa nova, digite no campo do alto da janela do app (pelo site, clique no reloginho no menu da esquerda e o mesmo campo aparecerá lá no alto).
Clique na pastinha logo abaixo para informar o projeto a que a tarefa se refere. Se já houver projetos cadastrados, eles aparecerão numa lista. Para incluir um projeto novo, clique em “Create a new Project”.
Selecione o cliente correspondente na última lista suspensa. Para adicionar um cliente novo, digite o nome no campo, escolha a cor desejada (opcional) e depois clique em “Create Client”.
Por fim, clique em “Add” no alto. O reloginho ao lado do nome da tarefa vai começar a correr. Para parar o tempo, clique no botão ao lado do contador.
Nas próximas tarefas para o mesmo cliente/projeto, o nome já aparecerá na lista quando clicar na pastinha. Com o tempo, você verá grupos de projetos cadastrados para cada cliente nessa lista suspensa.
Se trabalhar com o método Pomodoro (não sabe do que se trata? Veja aqui), pode configurar os intervalos nas preferências do programa.
Na aba “Timeline”, basta passar o cursor por um bloco de tempo para ver efetivamente o que estava fazendo a cada momento (e quanto tempo passou nisso):
No site, clique no terceiro ícone do menu à esquerda para ver os relatórios.
Nos filtros, no alto, é possível separar o relatório por cliente/projeto e por data.
O programa também manda uma totalização por e-mail todo fim de semana.
Controle de pagamentos
A terceira forma importante de controle que precisamos ter é o dos pagamentos. Quanto cada cliente nos deve, e quando é cada vencimento? E atire a primeira pedra quem nunca ficou sem receber porque acabou esquecendo de emitir a invoice para o cliente!
O jeito mais simples de controlar isso é com uma agenda, seja de papel ou no computador. Mas a coisa começa a complicar quando os clientes exigem um fechamento por semana, ou um por mês, incluindo todos os serviços prestados no período.
Nesses casos, uma planilha pode resolver bem o problema. Você lança todos os arquivos feitos para cada cliente, depois usa esses lançamentos para emitir a invoice. Para facilitar, a invoice pode estar também numa planilha, para automatizar os cálculos (quanto menos intervenção manual, menor a chance de erro). Para facilitar mais ainda, tem um modelo de invoice na seção de Recursos do site da Translators101. Basta personalizar com seus dados e os dados do cliente. Sugiro fazer uma planilha com uma aba daquele modelo para cada cliente, cada um com os respectivos dados cadastrais e valores cobrados por palavra/hora/lauda, para não precisar ficar trocando tudo a cada invoice emitida. De novo: quanto menos intervenção manual, melhor.
O problema é que mesmo esse copia/cola toma tempo, principalmente naqueles clientes que costumam mandar um zilhão de arquivos pequenos.
There’s an app for that!
A solução que eu encontrei foram os aplicativos específicos para isso. Usei o Translation Office 3000 bastante tempo, mas acabei deixando de lado por rodar apenas em Windows (minha máquina de trabalho é Mac). A interface dele não é das mais intuitivas, mas ele é bastante eficiente no que se propõe. Depois de alguns anos no TO3000, acabei migrando para o Protemos, sistema online e gratuito (e bastante intuitivo e fácil de usar) que tem me atendido bem.
Nele, você cadastra cada cliente (todos os dados de cadastro que constarão na invoice, mais os contatos na empresa, prazo de pagamento, valor cobrado por cada tipo de serviço).
Depois cadastra os projetos de cada cliente. Tenho clientes com projetos contínuos ao longo do ano, então tenho algo como “Projeto A – 2021”, “Projeto X – 2021” vinculados a esse determinado cliente, e neles vou jogando cada tarefa concluída. Para outros, os projetos têm começo e fim definidos, e recebem o nome correspondente. Cada tarefa pode ou não conter o número da ordem de serviço do cliente (não é um campo obrigatório).
Depois de entregar a tarefa (ou toda sexta-feira, ou no fim do mês, dependendo das preferências de cada cliente), só preciso clicar em Finances> receivables, selecionar o cliente e mandar emitir a invoice. Para não correr o risco de esquecer, tenho lembretes “Emitir invoices” no Todoist para todo fim de semana e fim de mês.
O próprio sistema pode enviar a invoice para o cliente por e-mail, usando um texto de apresentação que você também cadastra no sistema. Depois é possível acompanhar as invoices emitidas em Finances> Invoices. Ele também avisa por e-mail quando uma invoice está para vencer ou vencida.
O sistema é complexo demais para caber em um tutorial neste artigo, mas o guia de referência rápida do Protemos traz todas as informações necessárias para começar a usar sem se perder.
Até porque se é pra se perder, que seja na imensidão da playlist de vídeos da T101! 😀
Quando se fala em produtividade para tradutores, a primeira coisa em que pensamos são as CAT tools. E realmente elas são um dos maiores fatores de produtividade para nós — mas não o único. Algumas mudanças na forma como fazemos as coisas podem nos poupar muito tempo (e tempo é dinheiro para os freelancers, certo?).
Ao longo dos anos, percebi que uma das coisas que mais facilita a minha vida é ver tudo que preciso num lugar só. E é aí que entram os agregadores. Existem diversos agregadores para fins variados por aí, mas aqui vou me concentrar em dois que acho especialmente úteis para o nosso dia a dia e que deveriam ser incluídos nos cursos de tradução.
Feedly
Comecei a usar o Feedly há alguns anos, depois que o Google Reader foi descontinuado. Nele é possível centralizar suas leituras de blogs e qualquer site que tenha um feed RSS, assim você não precisa ficar lembrando de acessar os sites X, Y ou Z para ver se tem alguma publicação nova. É só acessar o Feedly pelo navegador ou pelo app (inclusive no celular) para ver as novidades. Pode ainda separar em categorias, se, como eu, tiver centenas de sites agregados por lá. Eu tenho categorias como “Tradução”, “Literatura”, “Receitas”, “Tecnologia”, “Empreendedorismo”, “Artes”, “Cultura e nerdices”, “Quadrinhos” e várias outras.
Dessa forma, fica fácil visualizar tudo que foi postado em cada categoria, organizado por data (mais recentes primeiro, ou mais antigos primeiro), marcar como lido o que não interessa e salvar o que quiser para ler depois dentro do próprio app (o que ajuda também a não ver propagandas para todo lado).
Sugestões
Dentro da categoria tradução, que é a que mais interessa neste artigo, alguns sites e blogs que vale a pena acompanhar são (depois do jabá descarado, os outros estão em ordem alfabética):
O meu, que está parado há algum tempo mas tem anos de posts principalmente sobre os aspectos práticos da profissão: https://www.traducaoviaval.com.br/
Ao principiante, da Lorena Leandro (está inativo há algum tempo, mas tem muitas informações principalmente para quem está começando): https://aoprincipiante.wordpress.com/
Para começar a usar o Feedly, é só criar uma conta. Clique no “+” do menu à esquerda e faça a busca por assunto, palavra-chave ou nome de um blog específico.
Escolha a opção desejada (no nosso caso, queremos o blog da T101).
Depois é só clicar em “Follow”, selecionar a categoria e clicar em “Add”. Para criar uma categoria nova, clique na última opção, “New feed”.
O GoldenDict é um tipo diferente de agregador. É um programa para Windows, Mac e Linux que agrega principalmente dicionários, tanto on-line quanto off-line. Ajuda muito a centralizar as pesquisas terminológicas e, principalmente, ajuda a nos manter fora do navegador, onde as distrações são muitas.
Anos atrás publiquei um tutorial detalhado de como configurar o programa:
Infelizmente o site da Babylon não permite mais baixar os dicionários com extensão .BGL para uso offline, mas ainda é possível encontrar dicionários no formato StarDict, gratuitos por padrão, com uma busca no Google. O GoldenDict também usa esse formato sem problemas. Existem alguns aqui, em diversos pares de idiomas e áreas de especialização. Basta fazer o download do arquivo (em formato .tar.bz2) e descompactar como um zip normal. Vai virar uma pasta com arquivos dentro.
Mantenha todas as pastas/dicionários numa mesma pasta, e informe essa pasta principal para o GoldenDict. No meu, fica assim (tudo no Dropbox, porque backup nunca é demais):
Apesar da falta que os dicionários .BGL do Babylon possam fazer, e que os do StarDict não suprem completamente, a busca em sites faz o GoldenDict continuar valendo a pena. Em tese, qualquer busca que apareça na barra de endereços do navegador com a palavra especificada depois do endereço do site, como por exemplo https://www.aulete.com.br/teste, pode ser levada para o GoldenDict.
Algumas fontes que podem ser usadas (é só incluir os endereços como explicado na segunda parte do tutorial):
Por algum motivo que ainda não consegui determinar, talvez excesso de informação de uma vez, não sei, alguns desses dicionários fazem o meu GoldenDict travar. Ele puxa os resultados, mas em seguida para de funcionar. Sugiro, então, adicionar um a um e testar, para saber se todos funcionam sem problemas na sua máquina.
E não precisam ser só dicionários. Eu consulto fontes como imdb e outros sites sobre cinema para um cliente da área de entretenimento, sites com terminologia médica para os clientes dessa área, wikis específicas para determinados jogos. Se o URL do resultado da busca estiver naquele formato indicado acima, funciona.
Separar os dicionários consultados em grupos ajuda a filtrar os resultados por assunto. No meu, tenho grupos para resultados em EN, PT, EN-PT, PT-EN, medicina e cinema. Usando (literalmente) centenas de fontes, é a única maneira de não se perder nos resultados!
Por falar em agregadores, a Translators101 é uma ótima forma de ter acesso a muita informação útil para sua carreira, e a um custo muito baixo.
Um assunto recorrente entre tradutores, tanto em encontros presenciais quanto em grupos on-line de todo tipo, é a falta de pagamento pelo cliente X ou Y. Pior, X e Y geralmente são figurinhas conhecidas, que vivem sendo mencionados como maus pagadores, às vezes há muito tempo.
Isso me dá uma quase-certeza: boa parte dos tradutores tem talentos linguísticos, mas não comerciais. A maioria de nós sabe pesquisar termos, entender o texto original, redigir uma tradução corretamente, mas muitos ainda não sabem bem como cobrar do cliente o valor devido pela tradução, às vezes mesmo depois de anos no mercado.
E como fazer isso? Trabalhando para clientes no Brasil, é sempre importante emitir algum tipo de documento pelo serviço. Com uma nota fiscal ou contrato de serviço em mãos, é possível emitir depois um boleto bancário para facilitar o recebimento, que pode ainda incluir um valor de juros por dia para minimizar o prejuízo do tradutor em caso de atraso do cliente. Esses documentos permitem também enviar o título para cobrança por um Cartório de Protesto de Títulos caso o cliente não pague conforme combinado. Se o cliente não pagar o valor devido no prazo estipulado pelo cartório, seu CNPJ passa a constar em listas de inadimplentes e no Serasa, dificultando futuras operações de crédito. O único senão é que, no pagamento em cartório, o valor devido corresponde ao valor original do documento, sem juros. Converse com seu contador para saber como emitir esses documentos.
No entanto, nós também trabalhamos para muitos clientes fora do Brasil, espalhados pelo mundo, e, nesses casos, as nossas notas fiscais não têm valor algum para os clientes, e os cartórios de protesto e a ameaça do Serasa não surtem efeito. Para esses clientes, qual a forma mais prática de diminuir a chance de não receber? Consultando antes! E o leitor pode perguntar: “Consultar? Mas como assim?”
Uma comparação simples são as lojas de varejo. Se eu for comprar alguma coisa a crédito em qualquer loja, vou precisar preencher uma ficha de cadastro com todos os meus dados. Preciso dar referências, nome do banco, cartão de crédito. O departamento de crédito da loja vai confirmar as informações, verificar no Serasa se não sou inadimplente (“caloteira”, como se diz informalmente), se tenho protesto na praça, enfim, vão levantar minha ficha completa para decidir se vale o risco de me venderem um produto a prazo. Então, por que eu ou você, que temos muitos menos cacife que qualquer loja para aguentar o baque de um calote, não faríamos a mesma coisa?
Na maioria dos casos, o Serasa não resolve nosso problema pelo tipo de cliente que atendemos e, principalmente, porque usa um banco de dados nacional, não global. Mas nós, tradutores, temos alguns métodos próprios de consulta ao crédito para potenciais clientes. Os principais são:
– Blue Board do Proz (acessível apenas para assinantes do plano pago);
– Arquivos das listas de tradutores no Yahoo (a maioria está inativa há alguns anos, mas o histórico de mensagens continua disponível para consulta; sempre foi muito comum colegas reclamarem em público quando não são pagos);
– Arquivos de grupos de tradutores no Facebook;
– Payment Practices (site com informações sobre pontualidade de agências de tradução desde 1999).
E agora eu vou vestir o chapéu de vice-presidente da Abrates e puxar a brasa para a sardinha da associação: ano passado firmamos parceria com a Payment Practices, e nossos associados passaram a ter 25% de desconto na assinatura, pagando apenas US$ 14,99 ao ano. Um único mau cliente que descartemos com essas informações já compensa o investimento com muita folga.
É também importante obter o máximo de informações que puder sobre o cliente: nome (ou razão social, no caso de agências), endereço, telefones, e-mail, nome do contato. É incrível o número de colegas que aceita serviço, principalmente terceirizado de outros tradutores, sem saber nada sobre o contratante além de um endereço de e-mail gratuito.
Por fim, preciso lembrar que nem todo atraso quer dizer calote. Imprevistos acontecem, conosco e com os clientes. Já me aconteceu de a fatura se perder, de a pessoa responsável ficar doente de repente, de o cheque do cliente atrasar no correio (ainda é muito comum clientes nos Estados Unidos enviarem cheques pelo correio!), de o pagamento ficar no limbo do sistema bancário, então não costumo considerar um pagamento atrasado antes de uma semana. Quando passa esse “período de graça”, a melhor atitude é enviar um e-mail dizendo que não localizou o pagamento e perguntando se o cliente pode por favor confirmar em que data foi feita a transferência (ou quando o cheque foi enviado pelo correio, dependendo da forma de pagamento combinada). Algo como “Não consigo localizar o pagamento referente à fatura X, no valor de Y, vencida no dia Z. Por favor, informe data e valor do pagamento para que eu localize no extrato”. Sem pedir desculpas por cobrar, sem dizer que precisa do pagamento seja por que motivo for. Sua parte do acordo era entregar o serviço, a parte do cliente é pagar conforme combinado.
É importante não acusar nesse primeiro momento, porque pode realmente ter havido algum problema fora do controle do cliente, e você corre o risco de ofender — e talvez até perder — um bom cliente.
Mas se o cliente não pagou mesmo e você perceber que estão enrolando, envie uma nova mensagem no estilo “Favor providenciar o pagamento até dia X, evitando assim o envio do título para protesto”.
Aliás, é importante manter também o bom-tom quando infelizmente chega a hora de informar aos colegas que aquele cliente não merece crédito. Mantenha sempre a objetividade, demonstrando um comportamento profissional. Algo como “a empresa X me deve X patacas por um serviço entregue dia tal, com pagamento combinado para dia tal”. Nas listas e grupos, o tom costuma ser mais na linha “Fulano da empresa ACME é um safado caloteiro, não me paga nem atende meus telefonemas”. Podem estar dizendo exatamente a mesma coisa, mas chamar alguém de “safado caloteiro” certamente sujeita o denunciante a represálias, além de demonstrar pouco profissionalismo. Lembre-se sempre de que, além de colegas, nesses círculos temos potenciais clientes. Seus textos e sua postura são sua vitrine.
Moral da história: é muito mais fácil, rápido, barato e indolor se precaver antes de aceitar um serviço do que chorar e espernear sobre o leite derramado.