Você faz parte de um grupo qualquer de tradutores há algum tempo. Meses, anos. E semana sim, outra também, vê gente nova chegando e perguntando as mesmas coisas. Como fazer, onde ir, quanto cobrar, como funciona, etc. Uma, duas, dez, cem vezes. Considerando que 1) a maioria dos fóruns guarda todas as postagens e 2) saber e querer pesquisar deveria estar no DNA do tradutor, qual a atitude mais coerente? Acho eu, cá com os meus botões, que o mais correto é dizer “olha, ali tem uma ferramenta de busca, procure que isso já foi discutido 98596504286537856 vezes e já tem muita informação disponível”. Certo? Aparentemente, não.
Tenho visto, cada vez mais, recém-chegados ao mercado reclamando dessa atitude dos “veteranos”. Como assim, não vão me explicar tudo de novo? E veteranos passando a mão na cabeça dos recém-chegados (ou novatos, ou iniciantes, ou como quer que sejam chamados) porque pobrezinhos, não sabem nada, precisa ensinar. Concordo que ninguém nasce sabendo e nunca me recusei a ajudar (e este blog é uma prova disso), mas me recuso a colaborar com a cultura do coitadismo. Profissional tem que se portar como profissional. Ponto.
É comum os recém-ingressos no mercado não saberem quanto cobrar. Muitas vezes, mesmo os que frequentaram faculdade de tradução não têm um mínimo de noção dos preços praticados. E, nisso, a ajuda de quem tem mais tempo de estrada é fundamental. Nós temos a obrigação de dizer que um determinado valor é baixo, que é possível ganhar muito mais. Porque fazendo isso, indiretamente estamos educando os clientes também. Se menos tradutores aceitarem preços baixíssimos, pelo menos em teoria a tendência seria um aumento nos valores mínimos pagos pelos clientes. Isso é bom para o mercado e é bom para os tradutores como classe. E, principalmente, é bom para cada tradutor, que pode faturar a mesma coisa, ou mais, trabalhando menos. Os amigos, a saúde, a família, todos saem ganhando.
Na minha cabeça, isso é de uma lógica claríssima. Mas acho que muitos não compartilham da minha opinião, porque o que mais vejo são colegas dizendo “ah, mas não tem como um novato conseguir receber pela tabela do Sintra!”, “antes o pingado que o seco”, “quem está começando precisa aceitar o que aparecer”. Pior ainda, quando alguém mais experiente diz que determinados valores são ridículos, é chamado de prepotente, dizem que já esqueceu como era no início da carreira. Eu já contei que comecei ganhando pouco numa época difícil, vivi tudo isso na pele. Mas sei também que é perfeitamente possível sair desse ciclo negativo. Se especializar, batalhar, conquistar clientes melhores, participar de congressos, evoluir. Mas, para isso, é imprescindível deixar de lado o coitadismo. Levantar a cabeça, respirar fundo, aceitar críticas, não esperar nada de mão beijada, largar de mimimi, agir como um adulto profissional, não como adolescente birrento que dá piti quando não consegue o que quer. E a melhor ajuda que os mais experientes podem dar é mostrar, o quanto antes, como os iniciantes podem andar com as próprias pernas. O mercado de tradução e a sociedade como um todo agradecem.
Imagem: Geração de Valor
Isso mesmo, Val! Ser tradutor não é mais difícil do que qualquer outra profissão. E em todas elas tem aqueles que se queixam e se lamentam, e tem aqueles que arregaçam as mangas, saem para a briga e chegam lá. A grande maioria dos tradutores não é assalariada, não recebe férias nem 13º nem seguro desemprego. Mas isso não impede de ter uma vida muito confortável. Como qualquer profissional liberal é preciso investir na profissão, se especializar, descobrir nichos, buscar a excelência e não ter medo de cobrar.
Excelente, Val. O que mais me espanta é a indignação das pessoas quando ouvem de profissionais experientes que elas podem ganhar mais. Isso não faz sentido!
Concordo plenamente, Val. Para ser visto como profissional, é preciso comportar-se como tal, não como coitadinho, principalmente entre colegas.
Exato. Tenho estado cada vez mais ausente dos grupos por causa desse tipo de coisa. Obrigada pelo ótimo post.
Ser um tradutor profissional é gostar de pesquisar, não interessa se tem um dia ou uma década de experiência. Eu sempre agi dessa forma e é muito mais produtivo. Sou tradutora há 1 ano e 5 meses e sinto que, nesse aspecto, serei sempre “iniciante”. O gosto pelo aprendizado começa nas dúvidas. Só peço ajuda quando “a coisa tá preta e cabeluda”. rsrs
Outro ponto que me incomoda é o “excesso de tato”, como se os iniciantes fossem feitos de cristal e não pudessem ouvir críticas.
Ótimo texto.
Um abraço!
Comentário da colega Irene Pontes no FB, que eu faço questão de trazer pra cá porque resume bem o que penso:
Todos têm que começar de algum lugar, é o que dizem. Mas “algum lugar” não precisa ser “qualquer lugar”.
Ótimo texto. Disse tudo o que eu venho querendo dizer por aí, mas só destacaria uma coisa que parece que os vitimados pelo “coitadismo” não veem: pouquíssimos clientes estão conscientemente dispostos a trabalhar com iniciantes “declarados” e não vão fazer nenhum tipo de concessão por você ter 1 mês ou 1 ano ou 10 anos de carreira. Ao contratarem um tradutor, eles querem contratar um profissional, e não um “profissional iniciante”. Um trabalho profssional tem que ser exercido com profissionalismo e cobrado como um trabalho, e não como um bico ou um exercício tradutório remunerado. Claro que a gente aprende muito fazendo e ninguém está isento dos seus escorregões e pisadas na bola, mas tudo isso tem que ser feito “em cima do salto”, pois o cliente não vai endossar a cultura do coitadismo caso o profissional, iniciante ou não, se acomode nela. Ótimo artigo!
Ótimo post. A questão da falta de pesquisa e a procura de respostas rápidas personalizadas às vezes pode ser irritante. Além das perguntas repetidas “ad infinitum”, muitas pessoas publicam perguntas que poderiam resolver-se consultando… o dicionário, não sei se por preguiça ou falta de bom senso. Com relação aos valores baixos, acredito que sim é o dever dos experientes avisar que é possível obter valores melhores (mas sempre sem julgar ninguém pelo valor que aceitar) e tentar acabar com a tendência dos foros profissionais a transformar-se em “muros dos lamentos”.
Exato, Jorge. O mercado é tão diversificado que não adianta criar tabelas de valores, mas temos a obrigação de mostrar que existem clientes dispostos a pagar bem. Eu já trabalhei por pouco então nem estou em posição de julgar ninguém, mas me recuso a alimentar uma geração de mimizentos.
As pessoas ainda precisam aprender a lidar com essa energia chamada dinheiro. Só assim para acabar com essa cultura do “coitadismo”. Parabéns pelo texto!
Disse tudo, Valzinha, mas infelizmente os tradutores são afligidos pela síndrome do coitadismo e do culto à pobreza. Deles, não a minha.
E com urubus muito espertos rondando para vender soluções milagrosas.
É isso aí, Val. Inclusive, pelas minhas andanças e conversanças por aí, concluí que muitos profissionais têm ojeriza de grupos de tradutores na internet por conta desse clima de “ai, meu deus, como somos pobrezinhos” ou de animosidade generalizada, e não só entre iniciantes.
Beijo!