A teoria, a prática e a tradução

O querido e saudoso Daniel Estill sempre dizia que teoria e prática deviam andar sempre de mãos dadas. Na época, mais de dez anos atrás, ainda lá no Orkut, eu, que vinha das Exatas e tinha caído de paraquedas na tradução, não entendia muito bem o que era essa “teoria” de que ele tanto falava.

Depois disso fiz o formativo de tradutores literários da CGA, onde tive um gostinho da tal teoria da tradução (e me mostrou que ainda tenho muito a aprender!), li a Gramática da Manipulação da Letícia Sallorenzo, aprendi um pouco sobre análise do discurso e nunca mais li uma manchete de jornal do mesmo jeito, descobri a gramática descritiva, as variações linguísticas, a linguagem neutra, a linguagem inclusiva. Aprendi a perceber o quanto de preconceito social e de gênero está escondido (e nem sempre tão escondido assim) no normativismo. A reparar na linha tênue que às vezes separa a “defesa da língua” da xenofobia. Nas diferenças entre a evolução orgânica da língua (que felizmente é viva, sim, senão estaríamos falando vosmecê e pharmácia até hoje) e a adoção indiscriminada de termos estrangeiros só porque sim (oi, “sale 50% off”, estou falando com você), porque soa mais chique ou superior ou porque a pessoa sabe mais ou menos português e sabe mais ou menos inglês e sabe bem transformar os dois numa salada mista às vezes ininteligível para “não iniciados”.

Entendi melhor por que raios o genérico masculino sempre me irritou, e o que posso tentar começar a fazer com relação a isso. Aprendi que usar linguagem neutra é algo que eu de certa forma já fazia em localização, mas não ligava o nome à prática.

Aliás, acho que isso resume bem: aprendi que coisas que eu já fazia têm nome. E têm método. Aprendi que nem sempre temos tempo de teorizar a cada frase que traduzimos, e nem precisamos fazer isso, mas também aprendi conceitos que me fizeram enxergar meu trabalho de outra forma. Apesar de não seguir a vida acadêmica, de não ir a fundo nesses temas, acho que saber essas coisas, mesmo que um pouco de cada uma, na prática me faz — no presente, porque continuo aprendendo um pouquinho mais todo dia — uma profissional melhor.

Pra variar, Daniel, você estava coberto de razão. <3

 

 

Sugestões de leitura:

Gramática da manipulação: https://amzn.to/3EbAKj4 (físico); https://amzn.to/3Ej6hQg (digital)

Gramática da norma de referência: https://amzn.to/3vfngyK (só físico)

Campanha “Nome do tradutor” da Abrates

Você sabia que a Lei de Direitos Autorais exige a menção do nome do tradutor em resenhas e sites de livrarias e editoras? A Abrates, Associação Brasileira de Tradutores e Intérpretes, iniciou hoje uma campanha pela divulgação dessa informação importante.

nomedotradutor

Chegou o mês de setembro, o Mês do Tradutor, mês do nosso V Congresso! E a ABRATES, com o apoio do SINTRA, lança hoje a campanha pela citação do nome do tradutor.

A ideia foi sugerida no Facebook pela tradutora Denise Bottmann, do blog “não gosto de plágio”, e a partir da iniciativa de nossa consultora jurídica pro bono, a tradutora Ernesta Ganzo, estamos, juntos, colocando essa ideia em prática.

Mas o que é a Campanha Nome do Tradutor? É simples: o tradutor, de acordo com a Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610 de 1998 – LDA), é AUTOR de obra derivada, o que lhe atribui direitos morais e patrimoniais, os mesmos direitos conferidos ao autor da obra original. O principal direito moral do autor, e também do tradutor, é ver seu nome ligado à obra criada. Esse direito persiste mesmo quando o contrato entre editora e tradutor inclui a cessão total e definitiva dos direitos patrimoniais, pois é inalienável e irrenunciável.

Fizemos uma pesquisa em algumas livrarias virtuais e, na maioria delas, encontramos obras que têm o nome do tradutor citado, mas isso não acontece com todos os títulos.

A Campanha terá como ação principal o envio de uma carta, elaborada por Ernesta Ganzo, a diversas editoras e livrarias virtuais, como a recém-chegada Amazon, ressaltando a obrigatoriedade da citação do nome do tradutor já na descrição da obra, de preferência junto ao nome do autor, o que permitirá a busca de títulos inclusive usando o nome do tradutor.

Além do envio de cartas, as ações incluirão postagens no Twitter e no Facebook usando a arte com o mote da campanha: “Todo livro tem um autor, todo livro traduzido tem um tradutor” com o lembrete: “Não se esqueça de mencionar o nome do tradutor.” e as hashtags #nomedotradutor, #cadeotradutor e #quemtraduziu, direcionadas não só às empresas, mas também ao público em geral, que nem sempre se dá conta de que há um tradutor por trás daquele livro que ele adora.

Garantir o direito do tradutor e dar maior visibilidade ao nosso trabalho junto ao público. Esses são os principais focos da Campanha Nome do Tradutor.

Participe! Divulgue!

A primeira vez a gente nunca esquece

Publicado originalmente no Ponte de Letras.

Nunca tinha pensado em traduzir livros. Estou acostumada a cronogramas relativamente curtos (prazos de 15, 20 dias no máximo, para projetos maiores) e assuntos diferentes a cada projeto, e gosto disso. É bom variar, deixa a cabeça arejada. Um dia, uma colega da antiga comunidade de tradutores do Orkut me disse que a editora dela recebeu um livro que “era a minha cara”: Help your Kids with Science (Ciências para pais e filhos, na edição brasileira). Dividido em três partes, biologia, química e astronomia, trazia informações básicas para os pais se atualizarem e poderem ajudar os filhos. Realmente, era a minha praia! Química é minha principal especialidade, e ela sabia disso por minha participação na comunidade de tradutores do Orkut, a saudosa “50302”, e no grupo de tradutores do Facebook.

Aceitei o projeto com um frio na barriga que nem consigo descrever. Se por um lado estava familiarizada com o assunto, por outro seria a primeira vez que meu nome apareceria impresso como tradutora. Ficaria ali, gravado, para o bem e para o mal. E se eu fizesse alguma besteira? Outro agravante era a diagramação do livro: o texto deveria ter o mesmo tamanho do original, para caber nos espaços entre as várias ilustrações de cada página. Por questão de custo, a impressão seria feita para vários idiomas de uma vez. O prazo, então, era outro fator limitante e, assim, a terceira parte (astronomia) ficou a cargo de outro tradutor. Uma pena, porque eu teria adorado traduzir tudo!

Os capítulos chegavam em PDF, o que é ótimo, porque eu poderia extrair o texto e traduzir com o memoQ, minha CAT do coração. Mas quando comecei a preparar o primeiro lote, veio a decepção: a diagramação não permitia um copia/cola simples para transferir o texto para um documento do Word. Percebi que perderia um tempo precioso com isso, o que me atrapalharia com o prazo do livro e dos outros projetos (porque tradutor raramente faz uma coisa só de cada vez), e lembrei de uma pessoa muito espertinha em assuntos tecnológicos, apesar da pouca idade: minha filha. Ela passou a preparar o texto para mim, extraindo do PDF e colando no Word, deixando tudo formatado e pronto para traduzir. Antes que me acusem de trabalho escravo, ela foi generosamente recompensada pelo trabalho. 🙂

A pesquisa foi outro desafio. Cada página do livro trata de um assunto diferente, então quando a pesquisa de um assunto engatava… mudava a página e o assunto. Eu passava da estrutura da terra para botânica, depois anatomia de insetos, de mamíferos, depois ecologia.

A terminologia não deu tanto trabalho quanto eu imaginei inicialmente, talvez por serem assuntos dos quais gosto e entendo um pouco – ou muito, dependendo do trecho. Mas perdi boas horas pesquisando o nome de partes específicas do cérebro, por exemplo, até desistir com as incoerências que encontrei pelo caminho e pedir socorro para uma amiga tradutora e ex-neuropediatra, que resolveu meu problema em segundos. Ser tradutor também é saber pedir ajuda para as pessoas certas (depois de pesquisar e pesquisar e pesquisar, obviamente, porque o tempo dos outros vale tanto ou mais que o seu).

O registro (ou tom, como preferirem) do texto foi um pouco mais complicado de lidar, por causa do meu histórico. Na época eu estava muito mais acostumada a bulas de remédio e estudos clínicos, textos mais sóbrios, por assim dizer. Demorei alguns dias (e algumas revisões) para pegar o jeito do livro, uma linguagem mais solta, voltada para o público leigo, apesar de técnica. O primeiro lote eu li, reli e mexi várias vezes antes de finalmente decidir mandar para a editora. Ah, o alívio do feedback positivo dias depois! A alegria de ler “a tradução está muito boa, deu pouco trabalho na revisão” não tem preço.

Me chamem de louca (não seria a primeira vez), mas adorei a complexidade desse projeto! Continuo morrendo de medo de acharem alguma barbaridade que eu tenha cometido no livro, mas descobri que isso é mais que normal entre os tradutores editoriais, então que venha o próximo livro. Quem sabe até um não técnico?

Como eu faço para…

“Oi, pessoal, alguém sabe como…”

– cobrar cliente com pagamento em atraso?

– converter pdf em doc?

– registrar empresa de tradução pelo Simples?

Estas e várias outras perguntas aparecem semana sim, outra também nos diversos fóruns de tradução. As respostas mudam pouco ao longo do tempo, o que quer dizer que são repetidas incontáveis vezes. Não acham isso uma perda de tempo? Eu acho. E o tempo de qualquer profissional, inclusive do tradutor, vale dinheiro.

Deixo, então, uma dica aos iniciantes – e aos nem tão iniciantes assim: mostre que tem uma qualidade importantíssima a qualquer tradutor, a de saber pesquisar, e PESQUISE antes de chegar perguntando a mesma coisa pela enésima vez. Pesquise no Google, o oráculo moderno. Pesquise na lupinha do canto superior direito dos grupos do Facebook (a busca do Facebook nem sempre funciona, mas costuma ajudar bastante). Pesquise nas listas do Yahoo. Mas pesquise. Faça sua parte.

Todos agradecem.

Mudanças na seção de notícias

Depois da “aposentadoria” do Google Reader a seção de notícias deste site ficou meio capenga, porque antes eu puxava as atualizações direto de uma pasta lá. Quando alguém publicava um artigo novo sobre tradução, ele aparecia automaticamente aqui (são mais de 250 blogs). Só hoje consegui um tempinho para pesquisar alternativas e mudar a estrutura da página. A partir de agora, os artigos que aparecem são marcados um a um, à medida que eu leio e marco como interessante (com a tag “tradfeed”) no Delicious. Se por um lado isso é ruim, porque vai diminuir muito o número de artigos e blogs apresentados, por outro o conteúdo vai ser mais interessante.

Dá uma clicadinha, vai.

https://www.traducaoviaval.com.br/noticias/blogs-de-colegas/

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